A Acessibilidade sob o prisma da ética na educação

Gabriel Lautenschlager Camara[2]
Wagner A. H. Pompéo[3]

Os desafios da acessibilidade estão presentes na vida do ser humano desde o surgimento da sua espécie.  No Brasil, porém, os resultados e avanços da matéria a este respeito são ainda bastante incipientes.

De acordo com o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mais de 45 milhões de brasileiros têm pelo menos uma deficiência, seja ela visual, auditiva, motora ou mental. Quando se fala, hoje em dia, em acessibilidade, está-se a se referir a uma parcela que representa, no mínimo, 24% da população nacional.

Para melhor compreender a questão, necessário destacar que, segundo o Art. 51, inciso I, do Decreto Nº 3.298/1999, a definição legal de acessibilidade representa a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das instalações e equipamentos esportivos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

A estrutura da sociedade, como um todo, sempre marginalizou as pessoas com qualquer tipo de necessidade especial, excluindo-as de direitos, oportunidades e infraestrutura básicas. É bem verdade que nos últimos anos a conscientização aliada à técnica estão fazendo órgãos públicos e privados se adaptarem de maneira a garantir o acesso igualitário a todos, mas o fato é, sabe-se, ainda há muito a ser feito.

Com relação à educação, urge a necessidade de se efetivar uma política de integração e de educação inclusiva, que não deixe de lado o ponto de vista ético, porquanto a luta em prol do direito do ser humano a viver com dignidade e liberdade e, ao mesmo tempo, de ser educado, seja portador de necessidade especial ou não, de maneira isonômica, nada mais é do que uma questão ética.

Não se pode negar que a educação inclusiva, através de práticas pedagógicas, visa superar as terminologias que discriminam aqueles que apresentam limitações. Terminologias estas como, por exemplo, “anormais”, “deficientes” ou “aleijados” – comumente empregadas no cotidiano de uma sociedade marcadamente preconceituosa – que devem, sem dúvida, ser substituídas por termos como “portados de necessidades especiais”, que se soa bem menos agressiva, odiosa ou mesmo discriminatória.

Por isso, é chegada a hora de democratizar o espaço escolar, que deve ser concebido sem barreiras entre a educação especial e o ensino regular comum, posto, só assim, exitosa a difícil missão de, sem restrições, resguardos ou diferenças, integrar aqueles com necessidades especiais aos demais.

Aliás, nesse contexto, pertinente a afirmação do filósofo Enrique Dussel, que destaca:

“Será necessária uma escola diferente que aceite a “diferença” como normalidade, não como exclusão a partir de uma pretensa “identidade” […]. É necessário reintegrar os incluídos em uma escola não de “normais”, e sim onde todas as crianças são “diferentes”. Umas mais e outras menos, porém nenhuma é idêntica a nenhuma outra. A educação como prática de desenvolvimento da “diferença”: isso é libertação.”

Deve-se, no contexto educacional atual, trabalhar com o fato de que todos os indivíduos são diferentes, detentores de defeitos e qualidades, alguns com deficiências mais fáceis de serem diagnosticadas, mas nem por isso desmerecedores ou incapazes de estarem integrados ao grupo. A educação inclusiva surgiu exatamente nesse sentido, priorizando a convivência coletiva, mormente o convívio social auxilia na superação das limitações.

Sob o prisma da ética na educação, a (falta de) acessibilidade e inclusão devem nos fazer refletir sobre todas as discriminações e humilhações que um indivíduo com necessidades especiais sofre no âmbito escolar e nas próprias conseqüências que isso vai gerar na sua formação como pessoa humana.

Como bem exemplifica Rubem Alves:

“Há o sofrimento do corpo, em si mesmo: dores, incapacidade, limitações. Mas há a dor terrível do olhar das outras pessoas. Se não houvesse olhos, se todos fossem cegos, então a diferença não doeria tanto. Ela dói porque, no espanto do olhar dos outros, está marcado o estigma-maldição: “Você é diferente”.”

A questão ética insurge da exclusão de indivíduos em razão de sua situação social, tratados como sem valor, inferiores e inúteis, sendo impedidos de desenvolver o seu potencial humano. A idéia a ser fixada é que a exclusão estará materializada sempre que faltar acessibilidade, nesta compreendida não apenas a efetiva ausência de acesso a escola como também sua concessão marginalizada. Se além dessa exclusão social houver discriminação no âmbito escolar, mais uma vez, estar-se-á postado novamente diante de um conflito essencialmente ético.

Ao encontro disso, oportuno se transcreva trecho do Manual de Ética e Cidadania, composto pelo Ministério da Educação, no qual se define que a:

“Ética trata de princípios e não mandamentos. Supõe que o ser humano deva ser justo. Porém, como ser justo? Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso, portanto, ter claro que não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar, refletir, construir. E a escola deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa construção, serem livres e autônomos para pensarem e julgarem”.

Portanto, enquanto a acessibilidade não for amplamente vislumbrada como uma situação urgente, que prima pela qualidade de vida e que diz respeito a todos, afinal de contas um quarto da nossa população tem pelo menos um tipo de necessidade especial, sendo inaceitável fiquem eles à margem de um direito que lhe é fundamental: a igualdade. Infelizmente, sob o prisma ético na educação há muito que mudar para não continuarmos a testemunhar os velhos problemas que há muito enfrentamos e denunciam não haver preparo, não haver estrutura, não haver verba e, algumas vezes, não haver, inclusive (e infelizmente), vontade de mudar o quadro lamentável em que nos encontramos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Rubem. Concerto para corpo e alma. Campinas. SP: Papirus,1998.

BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Brasília: MEC/SEESP, 1999.

DUSSEL, Enrique. Prefácio. In: Saberes, imaginários e representações na educação especial: a problemática ética da “diferença” e da exclusão social. 2. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2005.

Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade / Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2007.

PONTES, Reinaldo Nobre. Educação inclusive e violência nas escolas / Reinaldo Nobre Pontes e Claudio Roberto Rodrigues Cruz (Organizadores) – Belém: Unama, 2010.


[1] Resenha final apresentada como resultado do eixo focal “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: Aproximando cidadãos do direito”, do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA.

[2] Autor. Acadêmico do 8º semestre do curso de direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Membro do eixo focal “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: Aproximando cidadãos do direito”, do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA.

[3] Professor Orientador. Professor de Direito junto a Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Professor Articulador do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, na área “Cidadania, saúde, bem-estar, segurança e trânsito” e sub-área “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: aproximando cidadãos do Direito”.  Pós-Graduado pelo Instituto de Direito RS, Rede de Ensino LFG e UNIDERP-ANHANGUERA. É aluno no Programa Especial de Graduação para Formação de Professores para o Ensino Profissional e Tecnológico, no eixo de “Direito, gestão e negócios”, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. É Pós-Graduando em Gestão Pública pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestrando na área de concentração “Direitos Emergentes na Sociedade Global”, com ênfase/linha de pesquisa afeta a “Direitos na Sociedade em Rede”, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bacharel em Direito, formado pela Faculdade Metodista de Santa Maria – FAMES, Instituição de Ensino Superior que compõe a Rede Metodista de Educação do Sul.  Advogado, tem escritório – Martini,Medeiros e Tonetto Advogados Associados – na cidade de Santa Maria-RS. Foi professor em Cursos Preparatórios para as Carreiras Jurídicas Públicas e, atualmente, é E-mail para contato:wagner@mmtadvogados.com.br, wagner@fadisma.com.br.