Considerações acerca do papel da educação e resolução de conflitos na concepção de cidadania

Bruno dos Santos Andretta [2]
Wagner A. H. Pompéo [3]

 

Falar em cidadania é falar em direitos e obrigações. À luz de uma lei maior, uma constituição, falar em cidadania pressupõe pensar no sujeito, individual e coletivo. Nesse sentido, o artigo escrito por Valéria Amorim Arantes, intitulado “A construção de relações e espaços democráticos no âmbito escolar”[4] expõe alguns dos mais importantes aspectos da construção do que se compreende por democracia.

Conquistas dos movimentos sociais e da população ao longo da história democracia nunca teve um conceito uniforme. Da Inconfidência Mineira, Revolta de Canudos e, mais recentemente, ao ingressar no século XX, os avanços obtidos na chamada Era Vargas, o avanço dos 50 anos em 05 de Kubitschek e o “renascimento” democrático ocorrido na década de 80, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, diferentes foram os níveis de democracia por todos saboreados.

Atualmente, é do caput do art. 5º da Constituição Federal que retiramos o maior dos princípios democráticos, chamado “princípio da igualdade”. É a partir dele, que se pergunta, se há como conceber uma conceito único e acabado de igualdade ou se, pelo contrário, encontra ele limitações e relativizações que variam de acordo com tempo e espaço que se esta a analisar.

Primeiramente, de se considerar, quando o assunto é igualdade, necessário conceber a distinção que há em sua dimensão formal e material. Formalmente falando, o princípio da igualdade prega todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, enquanto, sob o viés material, por outro lado, compreende-se o tratamento dos desiguais na medida de sua desigualdade, exceção de que denota o que se concebe como sendo “o princípio da igualdade substancial”.

A despeito disso, ensina, Celso Ribeiro Bastos[5], a igualdade substancial consiste no “tratamento uniforme de todos os homens. Não se cuida, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida.”

Aqui, faz-se necessário cada indivíduo se desvincule de sua única e exclusiva perspectiva sobre o mundo, e, conseqüentemente, coloque-se no lugar do outro, fato que exige, cada um exercite as relações interpessoais e todos os elementos que a compõe (características de personalidade individuais, medos, angústias, curiosidades), enfim, tudo que compõe as diferenças entre cada sujeito.

Inúmeras as desigualdades existentes no Brasil, todos sabe, de modo que para que o discernimento acerca da lei seja associado à isonomia entre todos, Celso Antonio Bandeira de Mello afirma, é necessário se observe quatro aspectos fundamentais[6], quais sejam:

a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo;

b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;

c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;

d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.

Logo, devemos, todos, ser iguais (dentro das desigualdades postas) ou, como refere o já notoriamente conhecido brocardo, deve-se efetuar o “tratamento dos desiguais na medida de sua desigualdade”. E, como exemplo desse tratamento, vale lembrar, possível citar diversas circunstâncias, dentre as quais estão à política de cotas raciais no superior e as próprias vagas preferenciais de estacionamento reservadas a idosos e portadores de necessidades especiais.

Já afirmava Rousseau[7]:

Se indagarmos em que consiste precisamente o maior de todos os bens, que deve ser o fim de qualquer sistema de legislação, chegaremos à conclusão de que ele se reduz a estes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade.

Por isso, não tenha dúvidas, ser livre e igual pressupõe alcançar condições para que, aqueles que não conseguem estar em paridade com os demais, possam também ter suas necessidades e anseios atendidas. Essa concepção remonta o apurado conceito de cidadania, inicialmente lembrado, entremeio aos parágrafos iniciais do presente texto, e o qual a educação pode, sem sombra de dúvidas, ajudar a difundir e aprimorar.

Isso por que as bases que compõem a concepção de cidadania são construídas ainda na infância, ao longo das primeiras interações da criança com seus pares. Ao longo da vida, a igualdade perpassa pela equalização da compreensão das igualdades/desigualdades, sejam elas de qualquer ordem.

Não se pode olvidar, mas essa variação e percepção está intrinsecamente ligado à educação. O desenvolvimento e aprimoramento das relações interpessoais dentro do ambiente da escola, balizadas pela prática do diálogo e abordagem dos conflitos, são questões assaz relevantes, porquanto visam à formação de indivíduos com maior capacidade de raciocínio crítico e participação (cidadã) na sociedade contemporânea.

Não há dúvidas, a escola, mais do que qualquer outro lugar, é o local onde diferenças e igualdades em relação ao próximo ficam mais evidentes (é nela que, sabe-se, isso ocorre pela primeira de muitas vezes), fato que denota a importância de refletirmos sobre o que se pode fazer para propiciar, nesse ambiente, floreçam alunos mais preocupados com seus pares.

Buscar fortalecer a construção de valores democráticos, apreciando-se os questionamentos pessoais e sociais de cada sujeito, à luz de princípios éticos, de tal maneira que essa circunstância propicie o fortalecimento de sua formação psicossocial e, assim, uma sociedade mais democratica e igualdade, materialmente falando, é sem dúvida uma alternativa. Para tanto, acrescenta-se, necessário compreender e não a rejeitar o “conflito”, pois como afirma Johnson[8] “o que determina que os conflitos sejam destrutivos ou construtivos não é sua existência, mas sim a forma como são tratados”.

Portanto, não se deve trabalhar o conflito como algo necessariamente destrutivo ou em que ambas as partes necessariamente se encontram postos na dicotomia vencedor/perdedor. Pelo contrário, a partir do conflito, necessário buscar a construção de interesses comuns, proporcionando um incremento na compreensão e respeito para que as diferenças sejam tratadas.

Tal medida se revela imprescindível, porquanto somente dessa maneira o aluno conseguirá conhecer a si próprio, bem como melhor se conectar ao ambiente no qual inserido, de modo a, dessa maneira, alcançar uma formação em paralelo à manutenção que tem do papel de suas atividades dentro do âmbito escolar. Aliás, não é a toa que Edgar Morin[9] defende “a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão”.

Educar perpassa, necessariamente, pela criação de um ambiente que proporcione condições equânimes de desenvolvimento a todos, dado é essa prática e vivência que facilitará a semente da aceitação dos diferentes germine e se espalhe, cada vez mais, rumo a uma nova cultura.

Em suma, o que se deve ter em mente é que ser diferente também é um direito, fundamental e humano, e a efetividade da construção de uma nova cultura de convivência democrática, baseada na educação, exige se modifique a forma de abordagem dos conflitos no ambiente escolar.

 


[1] Resenha final apresentada como resultado do eixo focal “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: Aproximando cidadãos do direito”, do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA.

[2] Autor. Advogado, bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Membro co-articulador do eixo focal “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: Aproximando cidadãos do direito”, do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. E-mail: bruno@brunoandretta.com.br

[3] Professor Orientador. Professor de Direito junto a Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Professor Articulador do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, na área “Cidadania, saúde, bem-estar, segurança e trânsito” e sub-área “As potencialidades políticas de uma Santa Maria em rede: aproximando cidadãos do Direito”.  Pós-Graduado pelo Instituto de Direito RS, Rede de Ensino LFG e UNIDERP-ANHANGUERA. É aluno no Programa Especial de Graduação para Formação de Professores para o Ensino Profissional e Tecnológico, no eixo de “Direito, gestão e negócios”, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. É Pós-Graduando em Gestão Pública pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestrando na área de concentração “Direitos Emergentes na Sociedade Global”, com ênfase/linha de pesquisa afeta a “Direitos na Sociedade em Rede”, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bacharel em Direito, formado pela Faculdade Metodista de Santa Maria – FAMES, Instituição de Ensino Superior que compõe a Rede Metodista de Educação do Sul.  Advogado, tem escritório – Martini,Medeiros e Tonetto Advogados Associados – na cidade de Santa Maria-RS. Foi professor em Cursos Preparatórios para as Carreiras Jurídicas Públicas e, atualmente, é E-mail para contato:wagner@mmtadvogados.com.br, wagner@fadisma.com.br.

[4] ARANTES, Valéria Amorim. A construção de relações e espaços democráticos no âmbito escolar. In Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade / Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

[5] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 5.

[6] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 41.

[7] ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 51.

[8] JOHNSON, D. W. e JOHNSON, R. T. Cómo reducir la violencia en las escuelas. Barcelona: Padós, 1999.

[9] MORIN, Edgar. A cabeça bem feira: repensar a reforma, reformar o pensamento. 17ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 65